Dedicado ao contista José Nazareno de Aguiar
“Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”. Cantam as lavandeiras no riacho. Passa um menino magro de estatura baixa para sua idade, 11 anos, cabelos queimados do sol, caução com elástico frouxo e dentes de pretos a amarelados, olha para elas e diz:
“Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”
Algumas mulheres arregalaram os olhos e outras mandaram que o menino fosse para casa, deixasse de contar mentira e lavasse a boca com sabão, o menino deu meia volta e partiu...
No outro dia, lá estavam as lavandeiras no riacho à cantar: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”, chega o menino e diz à elas: “Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”. As que nunca o tinham visto assustaram-se e riram
_ Quem já viu pedra de boca aberta?
Com lágrimas nos olhos o menino disse:
_Eu já!
Uma delas fitou-o dizendo
_Deixe de zombaria! Vá para casa que é a melhor coisa que o moleque faz.
Lá se foi o menino de pés no chão. Por várias vezes o fato ocorreu, começaram a estranhar e resolveram procurar o menino, correu-se os vilarejos e nada de encontrar o seu paradeiro. Muitas vezes pensou-se Ter achado menino, mas nada era apenas mais uma tentativa falha, sempre que vinha uma das lavandeira para reconhecer, caiam no:
_Até parece, mas não é... seu cabelo é curto...cor mais assentada..., tenho certeza, é moleque errado.
Mas um dia uma senhora por nome de Idália que freqüentemente ia lavar roupa nos mesmos horários, comentou com uma colega que tinha por Rita:
_Ele só chega depois de certa música! Dexa eu lembra, qualé?
_Dexe de ser tola mulé que em dia claro num tem assombração? É criança rim mermo, que num tem nada o que farzer e vem atazanar a vida de nós.
_Uvi dizer qué!
_Bestera!
Continuaram a lavar roupa e começaram a cantar: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”. Volta o menino: “Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”
_Como a pedra fico de aberta?
_Foi de sede!
_Pedra num tem sede!
_Me dê um pouco d’água pra matar a sede dela?
_Você tem razão Idália, é pivete matreiro mermo, imagina só! Pedir água pra matar sede de pedra?
_Não tens pena? Replica o menino enquanto parti e a chuva cai lentamente. Em meio ao cair da chuva e aos passos lentos da dor do menino cruza-se com ele outra criança e seguem as duas com os mesmos passos, com a mesma expressão nos rostos... Uma mulher os vê e diz:
_venham cá os dois.
E lá vinham os meninos a repetir:
“Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”; “Lá na minha terra, vi pedra de boca aberta”; “Lá na minha terra, vi pedra de boca aberta”...
A mulher que os chamou, é uma dessas mulheres faladeiras que estavam de orelha em pé de tanto reboliço que essas crianças estavam causando à cidade, mas ela era doce feito mãe, fez com que os meninos assentassem ao seu lado e conversou com eles.
_Onde vocês moram?
_Em canto algum!
_Isso não pode ser, todo mundo tem casa, toda criança tem aconchego, vocês brincam demais e o povo já tá irritado.
_Essa num era nossa intenção, a gente só que um pouco d’água...
_Tão com sede? Pegarei água para vocês!
_É pra pedra!
_Lá vem vocês com essa estória de pedra, pedra não tem sede, não tem boca aberta.
_Mas como não, coitadinha! Ela tá com tanta sede! Era uma menina boa e lá dura está: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”.
Arrepiou-se de medo e gritou:
_É GENTE MORTA!
Passado o terror viu que os meninos tinham sumido no meio do nada. Apiedou-se deles e junto a uma romaria de mulheres partiu para o sertão com potes d’água na cabeça matando sede de pedras que nunca mais voltaram para pedir água.
...Água mole, pedra dura tanto bate até que fura...
Jeovânia P.
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