sábado, 26 de janeiro de 2008

PARTIDA

Acenarei com a mão
Ao ver-te partir,
Prometo não chorar,
Fazer o que pedires,
Sendo forte,
Seguir.
Olhando à água
Sem correr atrás dela.
Lembrarei-me do bom,
Do existir dentro de ti
Em todos os tempos.
Não me desesperarei
Ao ver-te partir.
Não pegue o barbitúrico,
Jogue a água fora,
As roupas ao fogo
Qu’eu já estou pondo
No rosto
Teu riso
Refletido no meu,Como se um fosse o outro.
(De Jeovânia P.)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Lúcia

É difícil superar a perda
de uma grande mulher,
mais, é necessário
o infinito também precisa
de Estrelas.

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Consciência

A vida não é coisa boa,
Se fosse?
Não se dava de graça.
Infelizes os que parem
E os que são paridos,
Pois são postos no mundo
_Sem licença!
Sobreviver?
Um Caos!
Uma labuta
Que
Não é só
Pra comer
É pra ser Gente,
_Coisa difícil!
Tantos morrem
Ser ser,
Tantos gritam,
Correm
Para alcançar
A plenitude
De se ser Gente
E quantos
Miseráveis, mendigos
Nem poderão
Nem poderam
Pensar em ser,
Até por que
Pensar
Já é demais.

Jeovânia P.

sábado, 21 de julho de 2007

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Cecília Meireles

SOMBRAS DA NOITE

Eu amo as sombras que tremulosas
Descem, de luto cobrindo as leiras,
- Ora perdidas nas capoeiras,
- Ora nas vargens silenciosas.
Sombras de longe, sombras saudosas,
Sobre colinas, sombras ligeiras,
Aves noturnas pelas esteiras
Da imensidade de nebulosas.
Nos dilatados, bravios mares,
Sombras inquietas e viajantes,
Iguais às sombras dos meus pesares.
Na praia algente de branca areia,
- Sombras que eu amo, sombras errantes
Das noites claras de lua cheia!


FERREIRA ITAJUBÁ(1875-1912)

Quero

Quero que todos os dias do ano,
todos os dias da vida,
de meia em meia hora,
de 5 em 5 minutos,
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte, como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas
que me amas
que me amas.
Do contrário
evapora-se a amação
pois ao dizer : Eu te amo
desmentes
apagas teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre,
isto cada vez mais.
Quero ser amado
por e em tua palavra
nem sei de outra maneira
a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira
de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor saltando da língua nacional,
amor feito som,
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente
sei que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.
Se não me disseres urgente
repetido
eu te amo amo amo,
verdade fulminante que acabas de [desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.]


Carlos Drummond de Andrade