segunda-feira, 23 de julho de 2007

Lúcia

É difícil superar a perda
de uma grande mulher,
mais, é necessário
o infinito também precisa
de Estrelas.

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Consciência

A vida não é coisa boa,
Se fosse?
Não se dava de graça.
Infelizes os que parem
E os que são paridos,
Pois são postos no mundo
_Sem licença!
Sobreviver?
Um Caos!
Uma labuta
Que
Não é só
Pra comer
É pra ser Gente,
_Coisa difícil!
Tantos morrem
Ser ser,
Tantos gritam,
Correm
Para alcançar
A plenitude
De se ser Gente
E quantos
Miseráveis, mendigos
Nem poderão
Nem poderam
Pensar em ser,
Até por que
Pensar
Já é demais.

Jeovânia P.

sábado, 21 de julho de 2007

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Cecília Meireles

SOMBRAS DA NOITE

Eu amo as sombras que tremulosas
Descem, de luto cobrindo as leiras,
- Ora perdidas nas capoeiras,
- Ora nas vargens silenciosas.
Sombras de longe, sombras saudosas,
Sobre colinas, sombras ligeiras,
Aves noturnas pelas esteiras
Da imensidade de nebulosas.
Nos dilatados, bravios mares,
Sombras inquietas e viajantes,
Iguais às sombras dos meus pesares.
Na praia algente de branca areia,
- Sombras que eu amo, sombras errantes
Das noites claras de lua cheia!


FERREIRA ITAJUBÁ(1875-1912)

Quero

Quero que todos os dias do ano,
todos os dias da vida,
de meia em meia hora,
de 5 em 5 minutos,
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte, como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas
que me amas
que me amas.
Do contrário
evapora-se a amação
pois ao dizer : Eu te amo
desmentes
apagas teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre,
isto cada vez mais.
Quero ser amado
por e em tua palavra
nem sei de outra maneira
a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira
de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor saltando da língua nacional,
amor feito som,
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente
sei que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.
Se não me disseres urgente
repetido
eu te amo amo amo,
verdade fulminante que acabas de [desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.]


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 13 de julho de 2007

NUNCA MAIS

... II n’est plus dans mon coeur
Une fibre que n’ait résonné sa Douleur.
LAMARTINE - Harmonics.


Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.

Meu casto sonho!
Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!


Auta de Souza nasceu em Macaíba, pequena cidade do Rio Grande do Norte, em 12 de setembro de 1876; educou-se no colégio “São Vicente de Paula”, em Pernambuco, sob a direção de religiosas francesas; lançou seu primeiro e único livro "Horto" em 1900 e seis meses após a publicação morreu em 7 de fevereiro de 1901, na cidade de Natal.

A morte absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda
_Sem deixar sequer esse nome.

Lua Branca

Chiquinha Gonzaga- Joanna


Oh, lua branca de fulgores e de encanto,
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo,
Vem tirar dos olhos meus, o pranto,
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo.
Ai, por quem és, desce do céu, ó lua branca,
Essa amargura do meu peito, ó vem e arranca,
Dá-me o luar da tua compaixão,
Oh, vem, por Deus, iluminar meu coração.
E quantas vezes, lá no céu, me aparecias,
A brilhar em noite calma e constelada.
A sua luz então me surpreendia
Ajoelhado junto aos pés da minha amada.
Ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo,
Vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo.
Ela partiu, me abandonou assim,
Oh, lua branca, por quem és, tem dó de mim!

A Morte Absoluta

Manuel Bandeira


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

Morte do Leiteiro

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A Cyro Novaes

Há pouco leite no país
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas,
seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Quem nunca viu o amor passar?
Chegar como quem não quer nada,
E desarrumar o tempo,
Rir, gozar e passar
Pro lado de lá.
Destroçando,
Quebrando o mundo,
Desfazendo as veias,
Quase rompendo a vida,
Insistir,
Passar.
Os ventos, pararem calmos,
O rio que encheu a cidade, secar,
Passar.
Quem nunca viu o amor passar?
Vai vê.

Jeovânia P.

Carvalho

À Geraldo Carvalho,
Quem vê
Não percebe
Assim de cara
A beleza d’alma,
Acha lindo,
Mas nem de longe
Pode saber como é.
Só de perto
Pode conhece-lo.
Aí, sim!
O verá,
Infinito, eterno
Como as canções
Que exalas.


Jeovânia P.

Os cegos

Êle segurava o ombro dela
E amparados caminhavam.

Êle via por ela
Ela via pra êle.

Êle pedia...
Ela via...

Ela era mulher dêle
Porque era feia.

Êle era o homem dela
Porque era cego...

Êles dois eram um só...

Jorge Fernandes _Livro de Poemas_ Fundação José Augusto, 1970/ Natal

Saudades de Natal

As vezes
Sinto um vazio
Deles,
Eles boêmios, loucos,
Noite a dentro
De um barril de cerveja,
Caio de porre!
A lembrança embriaga
Entre os goles,
Entre os gritos e pulos vazios,
Entre a falta de exaltação,
Só a lembrança soando
A mesma nota musical.

Quem abriu a boca da pedra?

Dedicado ao contista José Nazareno de Aguiar





“Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”. Cantam as lavandeiras no riacho. Passa um menino magro de estatura baixa para sua idade, 11 anos, cabelos queimados do sol, caução com elástico frouxo e dentes de pretos a amarelados, olha para elas e diz:
“Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”
Algumas mulheres arregalaram os olhos e outras mandaram que o menino fosse para casa, deixasse de contar mentira e lavasse a boca com sabão, o menino deu meia volta e partiu...
No outro dia, lá estavam as lavandeiras no riacho à cantar: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”, chega o menino e diz à elas: “Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”. As que nunca o tinham visto assustaram-se e riram
_ Quem já viu pedra de boca aberta?
Com lágrimas nos olhos o menino disse:
_Eu já!
Uma delas fitou-o dizendo
_Deixe de zombaria! Vá para casa que é a melhor coisa que o moleque faz.
Lá se foi o menino de pés no chão. Por várias vezes o fato ocorreu, começaram a estranhar e resolveram procurar o menino, correu-se os vilarejos e nada de encontrar o seu paradeiro. Muitas vezes pensou-se Ter achado menino, mas nada era apenas mais uma tentativa falha, sempre que vinha uma das lavandeira para reconhecer, caiam no:
_Até parece, mas não é... seu cabelo é curto...cor mais assentada..., tenho certeza, é moleque errado.
Mas um dia uma senhora por nome de Idália que freqüentemente ia lavar roupa nos mesmos horários, comentou com uma colega que tinha por Rita:
_Ele só chega depois de certa música! Dexa eu lembra, qualé?
_Dexe de ser tola mulé que em dia claro num tem assombração? É criança rim mermo, que num tem nada o que farzer e vem atazanar a vida de nós.
_Uvi dizer qué!
_Bestera!
Continuaram a lavar roupa e começaram a cantar: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”. Volta o menino: “Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”
_Como a pedra fico de aberta?
_Foi de sede!
_Pedra num tem sede!
_Me dê um pouco d’água pra matar a sede dela?
_Você tem razão Idália, é pivete matreiro mermo, imagina só! Pedir água pra matar sede de pedra?
_Não tens pena? Replica o menino enquanto parti e a chuva cai lentamente. Em meio ao cair da chuva e aos passos lentos da dor do menino cruza-se com ele outra criança e seguem as duas com os mesmos passos, com a mesma expressão nos rostos... Uma mulher os vê e diz:
_venham cá os dois.
E lá vinham os meninos a repetir:
“Lá na minha terra vi pedra de boca aberta”; “Lá na minha terra, vi pedra de boca aberta”; “Lá na minha terra, vi pedra de boca aberta”...
A mulher que os chamou, é uma dessas mulheres faladeiras que estavam de orelha em pé de tanto reboliço que essas crianças estavam causando à cidade, mas ela era doce feito mãe, fez com que os meninos assentassem ao seu lado e conversou com eles.
_Onde vocês moram?
_Em canto algum!
_Isso não pode ser, todo mundo tem casa, toda criança tem aconchego, vocês brincam demais e o povo já tá irritado.
_Essa num era nossa intenção, a gente só que um pouco d’água...
_Tão com sede? Pegarei água para vocês!
_É pra pedra!
_Lá vem vocês com essa estória de pedra, pedra não tem sede, não tem boca aberta.
_Mas como não, coitadinha! Ela tá com tanta sede! Era uma menina boa e lá dura está: “Água mole, pedra dura tanto bate até que fura”.
Arrepiou-se de medo e gritou:
_É GENTE MORTA!
Passado o terror viu que os meninos tinham sumido no meio do nada. Apiedou-se deles e junto a uma romaria de mulheres partiu para o sertão com potes d’água na cabeça matando sede de pedras que nunca mais voltaram para pedir água.

...Água mole, pedra dura tanto bate até que fura...




Jeovânia P.